Marcos Evangelista Villela Júnior
era ainda tenente de infantaria , em 1911, quando construiu seu primeiro avião,
um pequeno monoplano Bleriot, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, montou outro avião
semelhante. Da experiência adquirida com esses dois monoplanos pertencentes ao
Ministério da Guerra, decidiu projetar outra aeronave, maior, que seria o
biplano Alagoas, terminado em 1918.
Descrita assim em resumo, a obra
de Villela Júnior parece bem fácil. Mas, seria injustiça ignorar toda a
dedicação e esforço desse obstinado oficial do Exército, que lutou contra a
descrença das autoridades da época para implantar uma verdadeira aviação
militar em seu país.
Villela nasceu em 24 de março de 1875
em Vila Mairus, município de Pão de Açúcar, no estado de Alagoas. Aos dois anos
de idade foi levado a Pernambuco, onde concluiu seus primeiros estudos. Desde pequeno
demonstrou fascínio pelo voo das aves.
“Eu ficava deitado, observando os
urubus”, contou mais tarde a um biógrafo. “E pensava que se as aves tinham meio
naturais para voar, porque o homem, inteligente, e engenhoso, não poderia
imitá-las?” Numa época em que existiam apenas balões, tal ideia era pouco menos
que um sacrilégio.
Em 1900, finalmente foi admitido
na Escola Preparatória de Tática, no Realengo (Rio de Janeiro). E, quando os
primeiros aviões começaram a voar no Brasil, ele previu acertadamente o valor
bélico dessas máquinas voadoras. Mas nem todos pensavam do mesmo modo e suas ideias
foram encaradas pela maioria dos colegas como brincadeiras de um sonhador.
Em 1912, depois de concluir a
construção e as provas dos dois Bleriot adquiridos pelo exército, o tenente
Villela concluiu o projeto de um avião inteiramente nacional. E foi levá-lo ao
Ministro da Guerra, na ocasião o General Vespasiano de Albuquerque. Seu projeto
foi secamente recusado. Naquela época o governo estava às voltas com uma grave
crise no Ceará e o General Vespasiano julgava pouco oportuna a ideia de gastar
dinheiro com projetos experimentais.
Mas a negativa de apoio oficial não
deteve o obstinado tenente. Ele hipotecou sua casa e seus bens e, com a ajuda
de amigos, construiu um pequeno monoplano.“Meus colegas apelidaram-no Aribu,
como lembrança da história que lhes havia contado de meus sonhos de menino,
quando sonhava voar como os urubus”. Aribu o aparelho foi batizado. Aribu com “A”
e não com “U”. E Aribu ficou sendo chamado.
O Aribu de Villela Junior. |
Há poucas informações sobre as características
técnicas dessa aeronave. Sabe-se que era um monoplano, dotado de motor rotativo
francês de cinco cilindros e hélices de madeira, fabricadas pelo próprio Villela.
O inventor levou seus escrúpulos de pesquisador até o estudo detalhado dos
diferentes tipos de madeira nacional e à construção de uma balança para aferir
o equilíbrio das hélices.
“Fiz um novo desenho, sui
generis, estabeleci quatorze coeficientes, e construí até uma balança. Enquanto
José Domingos da Silva procurava fazer hélices de peroba e açoita-cavalo, e muitos
outros supunham ser aconselhável o aproveitamento da nogueira, divergi deles,
ensaiando mais de oito carroças de diferentes tipos de madeira em minhas experiências.
Cheguei a conclusão de que a ingarana era superior a todas as outras madeiras indicadas”.
No total, mais de 25 hélices
foram construídas no galpão dos fundos da casa de Villela Júnior, no Realengo (Rio
de Janeiro).
A fuselagem do Aribu era,
igualmente em madeira, assim como as asas, cobertas ambas com tecido nacional
envernizado. Tendo estudado vários tipos de tecidos, Villela produziu na
Fábrica de Tecidos de Sapopemba uma tela de algodão de qualidade tão boa que a
fábrica mandou-a para Exposição de Buenos Aires, em 1918, onde foi premiada com
a Medalha de Ouro.
O verniz também era seu e de
excelente qualidade. Certa ocasião o Aeroclube de Montevidéu escreveu-lhe,
pedindo que vendesse a fórmula de seu verniz. Na sua resposta Villela Júnior
demonstrou a grandeza de seu entusiasmo pela aeronáutica: “Para a aviação nada
vendo. Com muito prazer tudo darei para o seu progresso”. E mandou a fórmula
pelo correio.
Concluídos os testes com o Aribu,
o já Capitão Villela Júnior voltou ao Ministério da Guerra, levando dessa vez
os planos de uma aeronave de maior porte. Esse avião seria o “Alagoas”, assim
batizado em homenagem ao seu Estado Natal.
O aeroplano Alagoas. |
O Ministro era o General Caetano de
Faria, que se mostrou entusiasmado com o projeto do jovem oficial. Deu-lhe uma
pequena verba e foi com esses recursos que ele montou o “Alagoas”, utilizando a
fuselagem de uma avião “Bleriot” modificada e equipada com asas de novo
desenho. O motor era um Luckt importado, de 80 HP. Mas o resto do aparelho
utilizava apenas materiais nacionais.
No dia 11 de novembro de 1918, no
Campo dos Afonsos, Villela e seu “Alagoas” foram oficialmente apresentados às
autoridades. Presentes o Ministro da
Guerra, Marechal Caetano de Faria, além de um grande número de oficiais das
diversas unidades sediadas no Rio de Janeiro, seus familiares e jornalistas.
Diante dos convidados, o piloto
Tenente Vieira de Mello e o mecânico Benine tomaram lugra na cabina. O motor
foi acionado e o aparelho levantou voo, após 60 metros de corrida. Depois,
durante quinze minutos executou manobras perfeitas: voos de dorso, subidas até
800 metros, mergulhos e passagens rasantes. O pouso foi perfeito e a aeronave
estacionou exatamente no mesmo ponto de onde tinha decolado.
Exibição do aeroplano Alagoas. |
Essa demonstração comoveu
profundamente a opinião pública e o governo. Nos meios políticos começou a ganhar
corpo a ideia da criação de uma Arma de Aviação independente. E tanto no
Exército como na Marinha, surgiram oficiais defendendo a ampliação do número de
aeronaves militares brasileiras.
Nenhum desses movimentos obteve
resultados imediatos. Mas a semente fora lançada, graças ao esforço de Villela
Júnior, que passou para a reserva como general e foi, mais tarde, promovido a
brigadeiro do ar, quando surgiu o Ministério da Aeronáutica.
A fase áurea dos projetos
pioneiros praticamente termina com o “Alagoas”. Pelo menos no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Nos anos da década de 1920 foram projetados ou construídos mais
de doze aviões de diferentes tipos, frutos, quase todos eles, do esforço de
grupos ou empresas. Também a aviação militar ganhou maior impulso.
De certa forma, isso não foi um fenômeno
apenas brasileiro. Na Europa, os anos 20 caracterizaram-se pelo rápido crescimento
da aviação. E os projetistas europeus tiveram grande influência sobre os
pioneiros da indústria aeronáutica brasileira.
Fontes:
A Construção Aeronáutica no
Brasil 1910/1976 – Roberto Pereira de Andrade